Este é um texto metralhado – o tempo escasseia para tanto espaço. Quero metralhar sobre um espaço peculiaríssimo, estranho, totalmente desadequado e artificial, que quase chega a ser ridículo, tal a grandeza do absurdo. E metralho porquê? O tempo é escasso, já disse, e o tiro automático tem a rapidez necessária – um tiro começa na histeria da explosão, e ainda sob a luz desse relâmpago furioso, atinge e fura o que lhe está à frente. Um ápice.
Mas não só, bem sabemos como ficam as paredes metralhadas – vemos nos filmes –, aquele pontilhado vazio e incerto, pontos sem linha, um rizoma autista, pontos tossidos, intermitentes e ofegantes – quanto mais juntos, mais nervosa a respiração.
Carrego a maquinaria cuspidora, dedo no gatilho e olho no alvo – entre os tiros, ponto e vírgula.
Falo de uma propriedade imprópria, de um terreno meu no espaço alheio, uma casa legal mas furtada – ali no estrangeiro é o meu país. Falo da Embaixada –
Habitação por direito; ocupação, preenchimento de um furo no terreno alheio; terreno ilógico, descontínuo; faz do espaço estrangeiro um terreno intermitente, furado; terreno hóspede, mas diferente do viajante forasteiro; ali sou eu na minha terra, estrangeira contudo; a embaixada é um terreno emigrante com a epopeia já finalizada; a embaixada é um terreno decapitado – isto é, mantém uma espécie de cabeça que pulsa, mas fora do sítio, despegada do corpo que também pulsa; prótese; terreno desnaturado; nunca como ali o estrangeiro foi tão natural e estranho simultaneamente; alienígena; artificial; fechado – não evolui; desconhece o fora, por onde poderia prosperar; incólume; lobotomizado – de um lado evolui assim, fora dele, assado; a embaixada mata um espaço completamente alheio – dispara sobre ele, e, precisamente, faz-lhe um furo; coloniza amigavelmente; coloniza amigavelmente?; figura do caracol; casa-nação; casa-caravana; aquele ponto sem ligação lá atrás é o tiro outra vez – só se vê a sua consequência; desapropria e apropria-se de um espaço que não lhe é próprio; é um dentro num fora; é uma ilha; a embaixada é um barco; um planalto; é um terreno verdadeiramente fora do outro que o rodeia; é um território com a nacionalidade anestesiada, vazada, perfurada, ferida; a embaixada é uma espécie de cicatriz; um penso rápido.
A indecisão, os avanços e recuos, as mudanças de direcção, as repetições, são características do tiro automático.